09 setembro 2015

{Resenha} A Terra Inteira e o Céu Infinito - Ruth Ozeki

Tudo no universo está em constante mudança, nada fica igual, e nós precisamos compreender a rapidez com que o tempo passa se quisermos despertar e começar a viver realmente as nossas vidas.
"É isso que significa ser um ser-tempo", a velha Jiko me disse, e depois estalou mais uma vez os dedos tortos.
"Até que basta isto, e você morre." 

Resumo: Numa remota ilha do Canadá, a escritora Ruth cata mariscos com o marido na praia quando se depara com um saco plástico coberto de cracas que envolve uma lancheira da Hello Kitty. Dentro, encontra um livro de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, e se surpreende ao descobrir que o miolo, na verdade, é o diário de uma menina japonesa, Nao. A sacola misteriosa, segundo os rumores dos habitantes, é mais um dos destroços do último tsunami que devastou o Japão e foi levado pelas correntezas até a ilha. -Skoob


Esse resumo faz a história parecer mais emocionante que é (juntamente à colorida capa original). Infelizmente, um mais adequado teria me mantido longe. O livro é a história de duas mulheres, dividido em capítulos intercalados. Um narrado em terceira pessoa sobre a personagem Ruth, uma escritora reclusa em uma ilha para cuidar da saúde do marido, que encontra os pertences de uma menina japonesa numa sacola plástica trazida pelo mar. Nao, a estudante japonesa que comprou um diário e decidiu lá escrever as memórias de sua bisavó Jiko, uma inspiradora monja de 104 anos, antes de suicidar-se em razão do bullying sofrido na escola e todos os transtornos trazidos com seu retorno ao Japão dos Estados Unidos, onde havia morado por quase toda a vida.

Trata-se de um livro recheado de camadas, mensagens subliminares e alegorias. Leia-o com atenção. Consigo entender os elogios a ele, pois ao final a leitura traz um prazer intelectual que há muito tempo eu não sentia. Embora seja um drama, o que já torna a atividade mais lenta, há ainda partes de suspense que te fazem virar página, principalmente nos trechos da Nao.

Uma observação a se fazer é sobre a Ruth, boa parte das críticas se referem a seus trechos e eu também por metade do livro senti que seus capítulos eram desnecessários. A história da Nao sustentava por si mesma. Na outra metade, já adianto, você ainda não se importará com a Ruth, e sim com o que pode ter acontecido com a Nao. A despeito de continuar da opinião de que os trechos da Ruth não precisavam de tantos detalhes (a história da ilha é bonitinha, tem até um momento de tensão por causa dos lobos que circulam lá, mas foi um tempo desnecessário, o mesmo para a longa aula de física ao final, que eu poderia ter tido abrindo a Wikipedia), ela foi fundamental à proposta. Como disse, este é um drama e não um thriller e fazer como o segundo teria dado agilidade ao texto mas lhe retirado sua singularidade.

A segunda observação sobre a Ruth é o fato de ela ser a autora. Percebam os nomes. Há muitas diferenças entre a personagem e a própria autora, mas em linhas gerais ainda consiste em autoinserção. Achei isso ousado; aprendemos a odiar autoinserção quando estamos escrevendo. Adianto que isso contribui para o efeito pretendido e, embora pudesse ser feito de outra forma, é outro detalhe que eu não mudaria. Interessante como a divisória entre autor e personagem é tão esvaída que temos comentários da Ruth-personagem até mesmo nas inúmeras notas de rodapé. Palmas para a Ruth Ozeki.

Para a parte da Nao, minha implicância com ela foi do início ao fim a sensação de que inverossimilhança, o que é curioso quando a autora impregnou a da Ruth de fatos reais. Eu poderia dizer que era um efeito também desejado, mas acho que não. Acho que a autora perdeu um pouco a mão e pôs elementos demais. Você tem a menina que retorna ao país, o chamado choque cultural reverso, e isso foi muito triste para mim, pois conheci uma japonesa criada aqui na América do Sul e que teve muitos problemas lidando com isso, você tem uma família assombrada pela queda no padrão de vida a ponto de dividirem um só quarto, há ainda a bisavó monja, uma feminista autora de livros importantes e já até esgotados de tão bem sucedidos, que só de ter 104 anos já era um feito por si mesmo, há ainda o bullying, e mesmo prostituição.Como se já não coubessem mais pontos de enredo, a Nao tem um tio-avô que foi piloto kamikaze na Segunda Guerra Mundial e com direito a algumas participações fantasmagóricas. Envolvendo tudo isso, a cultura japonesa, que daria um livro à parte – e que talvez fosse melhor apartada, pois novamente a autora perdeu tempo demais com termos e lugares japoneses. Não vamos esquecer a possibilidade de a tsunami de 2011 ter incrementado toda essa tragédia.

Eu sei que pode acontecer, mas não é muita coisa? Eu preferia então estar lendo a biografia de uma Nao real. Como ficção, juntar essa miríade de conflitos cancelou minha identificação com o que ocorria. Eu até gosto do tema bullying, mas ele não era o principal aqui e só nele acredito que a autora carregou muito a mão. Adianto que as cenas são chocantes, pois a Nao sofria abusos de todo o tipo, tanto mentalmente, quanto fisicamente, quanto sexualmente. Não era preciso chegar a esse ponto para provar o estado de espírito abalado da Nao, mas essas cenas tornam o livro inapropriado aos que se sensibilizam com essa realidade.

Como disse acima, preste atenção enquanto lê. Algumas vezes, eu me deixei levar pelos acontecimentos, queria muito saber o desfecho que cada mistério levantado teria. Alguns desfechos foram interessantes, isso é verdade. Entretanto, o que a autora quer é uma reflexão.

Minha opinião final é de que o livro valeu a pena. Não é o tipo de leitura que eu faria, provavelmente não arriscarei mais nada da autora, mas ele se encontra entre aquelas histórias que me farão pensar por muito tempo. Posso comparar à sensação de ler um clássico da literatura, mesmo este talvez não sendo um. Ele discute o tempo, o tempo de agora, o tempo budista, o tempo relativo, a transcendência... Não por menos o nome da Nao se pronuncia parecido com now – agora em inglês –, a bisavó dela se chama Jiko, que eu tenho quase certeza que se escreve com as letras japonesas para tempo + garota – ao menos é assim que a pronúncia me leva a crer –, a capa do diário da Nao é uma imitação da capa de "Em busca do tempo perdido", do Proust, o título original do livro se traduz como "um conto para o ser-tempo", o gato da Ruth se chama Schrodinger.

Ao final, eu gostaria de ter mais certeza de o que a autora queria. Gostaria de ter um destino definido. Adianto que sim, descobrimos o que acontece à Nao, mas o final foi mal acabado. A Ruth – autora e personagem – entra em uma discussão sobre física quântica para marcar ainda mais sua intenção, obscurecendo-a tanto mais para nós leitores.

Não obstante essas notas, é um livro que até agora me faz parar, reviver as cenas e pensar. Se você gosta de histórias assim, ele é recomendadíssimo. Se você se interessa por histórias relacionadas ao Japão, também recomendo.


 photo A_TERRA_INTEIRA_E_O_CEU_INFINITO_1396105646B.jpg


Avaliação:



Serviço
Título Original: A tale for the time being
Editora: Casa da Palavra
Ano: 2014
Número de Páginas: 462

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
© Grumpy Readers - 2012. Todos os direitos reservados.
Criado por: Leila, Elza e Anita.
Tecnologia do Blogger.